segunda-feira, 7 de novembro de 2016

História, natureza e muitas surpresas escondidas no Semiárido
As rochas são esculturas a céu aberto

Algumas montanhas lembram castelos
Isolada da civilização por sua posição geográfica e difícil acesso, a Serra da Capivara, no sudoeste do Piauí, é muito mais do que um paraíso para arqueólogos, geólogos e biólogos. Além do tesouro histórico que guarda - nada menos que o maior acervo de arte rupestre do mundo - a Serra da Capivara é de uma beleza natural deslumbrante. As rochas que ali se formaram há milhares de anos, quando o atual cenário de semiárido era composto por rios e cachoeiras, enchem os olhos do visitante. Há montanhas que parecem castelos, outras que lembram anfiteatros, outras ainda que podem ser comparadas a inhames gigantes. Escondido em meio a uma vegetação única no planeta, a Caatinga, está o Parque Nacional Serra da Capivara, com 135 mil hectares de área, 1.350 sítios arqueológicos e muitas surpresas para os que se aventuram a percorrer suas trilhas.
A Pedra Furada

A paisagem seca se confunde com as rochas
A imponência das rochas nos lembra como somos pequenos
Fundado em 1979 a partir das expedições da pesquisadora brasileira Niède Guidon e sua equipe, o parque recebeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, da Unesco, em 1991. De lá para cá muitas escavações vêm sendo feitas, atraindo cientistas de várias partes do Brasil e do mundo, interessados em testemunhar os achados arqueológicos, entre os quais os vestígios mais antigos da presença humana nas Américas, datados de 58 mil anos atrás. Essas descobertas contradizem a versão anteriormente estabelecida pela ciência de que o homem mais antigo do continente teria "apenas" 15 mil anos.

Concriz e jacu são aves típicas da região
O parque, assim como o Museu do Homem Americano e a Fundação Museu do Homem Americano (Fundham), deve muito ao esforço da equipe de Niède Guidon, que ainda hoje, aos 83 anos, luta para manter tudo funcionando. Missão nada fácil.  Administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, por pouco não fechou suas portas este ano por falta de verbas. Mas felizmente o TCU liberou a tempo os recursos e seu funcionamento foi garantido.

Em outubro, a caatinga resiste
Veado catingueiro
Dependendo da época do ano, a Serra da Capivara tem uma aparência diferente. Na época da seca, entre maio e outubro, o tom monocromático do chão de terra batida e da mata de galhos secos só é quebrado pelo forte azul dos dias ensolarados e por um ou outro juazeiro de um verde vivo mostrando que a natureza resiste a tudo. Na estação chuvosa, por outro lado, os marmeleiros e angicos parecem acordar de uma longa hibernação e o parque volta a se cobrir de folhas verdes e flores coloridas. Moradores antigos dali, herdeiros de ancestrais pré-históricos, são os mocós, tatupebas, veados-catingueiros, macacos-prego, jacurutus (corujão-orelhudo, a maior coruja da América), onças-vermelhas, entre outros animais exclusivos daquele bioma.
Pinturas rupestres são as marcas de nossos antepassados no Sertão nordestino
Galeria a céu aberto

É possível passar horas imaginando o significado de cada desenho
As formações rochosas formam imagens incríveis
Em toda a extensão do que hoje é o Parque Nacional, homens pré-históricos encontraram, nas rochas, bons abrigos para acampar e se proteger. E nelas deixaram um tesouro artístico feito de minerais coloridos capazes de atravessar milênios. Como imensas galerias de arte a céu aberto, as pinturas rupestres contam um pouco da história de nossos antepassados. Os vestígios pictográficos mais antigos são de 28 mil anos atrás. A maior parte dos desenhos encontrados até agora é de 14 mil anos, retratando os animais que ali viviam e cenas do cotidiano como caça, sexo, partos, rituais e celebrações. Numa fase mais recente, já por volta de 3 mil anos atrás, o crescimento populacional "coincide" com as primeiras imagens de conflitos e lutas entre os homens.


O Museu do Homem Americano, em São Raimundo Nonato
Ferramentas de pedra lascada e de pedra polida, restos de fogueiras e fósseis de animais da megafauna, como a preguiça-gigante, também foram encontrados na região da Serra da Capivara e hoje podem ser vistos no Museu do Homem Americano, que fica em São Raimundo Nonato, uma das cinco cidades por onde o Parque Nacional se estende. Ali o visitante também pode ver esqueletos de humanos e até pedaços de ossos de mastodontes e de macrauquênias, extintos há milhares de anos.

Os sítios são bem preservados e sinalizados
Ao percorrer os diversos circuitos desenhados para serem seguidos dentro do parque - com a companhia obrigatória de um guia, que é contratado na própria região - o turista pode comprovar o cuidado com que o local é preservado. Os caminhos são limpos e sinalizados, as passarelas e proteções às inscrições rupestres estão em perfeito estado e os animais da fauna local são abastecidos de água por caminhões-pipa nas épocas mais secas.




Mirantes

Baixão das Canoas e as "montanhas-inhame"
Entre as dezenas de percursos que se podem fazer dentro do parque, previamente combinados com o guia e de acordo com o preparo físico de cada um, há vários que levam a mirantes, no alto das rochas, com vista para os baixões (desfiladeiros). O Baixão das Canoas, por exemplo, é visto de cima de uma encosta e é uma paisagem de tirar o fôlego. Do mirante se vê uma cadeia de montanhas escuras e crespas que lembram inhames gigantes. Ali o silêncio é profundo e a grandiosidade do ambiente em torno nos faz insignificantes diante do universo.

Baixão das Andorinhas: espetáculo diário

Perto dali, no Baixão das Andorinhas, há um espetáculo diário oferecido por um grupo de andorinhões-de-coleira, aves de cor preta que voam a até 100 km/h. Pontualmente ao cair da tarde, os andorinhões começam a surgir e a sobrevoar o local caoticamente, em várias direções, soltando gritos como a chamar o resto do bando. E num determinado momento mergulham em grupos, a toda velocidade, em direção ao fundo do baixão, onde vão passar a noite abrigados entre as montanhas.

Outro ponto do parque onde o visitante pode desfrutar de um "momento safári", é o Caldeirão dos Macacos. Ali é só chegar e observar, a uma distância de poucos metros, como vive uma família de 45 macacos-prego em seu habitat natural.

Os macacos-prego curtem o dia de sol sem se preocupar com os visitantes 

Enquanto uma fêmea passeia calmamente com seu filhote agarrado às costas, um casal se reveza para "catar piolho" um no outro, um grupo de jovens brinca de se embolar na areia, o macho alfa dominante parece vigiar o local contra os inimigos, e a vida passa sem maiores preocupações. Ali, há 17 anos estudiosos da USP vêm acompanhando aquele grupo de primatas e, entre outras conclusões, descobriram que eles têm a capacidade surpreendente de fabricar ferramentas. Com varetas fazem alavancas para mover objetos e com seixos quebram castanhas e outros alimentos mais rígidos.

Cerâmica

A cerâmica da Capivara, hoje, é grife nacional
Artesão reproduz os desenhos milenares da Serra da Capivara

Os atuais habitantes da região da Serra da Capivara também fazem arte. Há alguns anos foi criada a Cerâmica da Serra da Capivara, que hoje produz cerca de doze mil peças por mês. São pratos, vasilhas, copos, jarros e diversos outros utensílios com reproduções de desenhos rupestres em um estilo de pintura e vitrificação que já viraram grife. Se compradas na lojinha que funciona ao lado da fábrica, as peças saem com desconto de 20% em relação ao preço do mercado. Atualmente a fábrica emprega 52 homens (a ideia, da própria Niède Guidon, foi fazer que os homens não precisassem deixar a região para buscar trabalho nas épocas de seca), dos quais 30 ceramistas que modelam a argila em formas ou no torno, desenham uma a uma e levam as peças para duas fornadas que chegam a 1.200 graus de temperatura. Grandes cadeias de lojas, como Tok & Stok e Pão de Açúcar, são clientes fixos da cerâmica. Ela também atende a encomendas em todo o país e tem planos de investir no mercado internacional.


Serviço:

Para chegar à Serra da Capivara, pode-se ir por Teresina (570 km) ou por Petrolina (390 km). De Petrolina, a única empresa de ônibus que vai até São Raimundo Nonato é a Gontijo, com um carro diário (sai de Petrolina às 14h e chega a São Raimundo às 20h e volta de São Raimundo às 11h, chegando a Petrolina às 17h). A passagem custa R$ 68 (outubro de 2016), mas o ônibus não tem ar-condicionado e segue por uma estrada com 60 quilômetros sem asfalto. Uma alternativa é contratar o motorista Neto (o único que conseguimos identificar), que leva até seis passageiros em sua Meriva todas as segundas, quartas e sextas-feiras. Ele sai de São Raimundo às 5h da manhã e chega às 10h. De Petrolina ele sai às 14h e chega a São Raimundo às 20h. O caminho que ele faz, via Afrânio, é um pouco mais longo, mas evita a parte que não tem asfalto. O carro tem ar-condicionado e a passagem custa R$ 70 por pessoa.

De Teresina, segundo o site Uol Viagens, há três empresas de ônibus operando o trecho até São Raimundo Nonato. De carro, segundo o Uol, a saída da capital piauiense é pela BR-316 e depois vai-se pela BR-343 até Floriano. De lá, vire à direita na BR320 e depois à esquerda para pegar a PI-140 até SRN.

Em São Raimundo Nonato há um aeroporto, cujo projeto previa a chegada de voos internacionais, onde hoje pousa um avião monomotor, vindo de Teresina, duas vezes por semana.

A entrada no Parque Nacional da Serra da Capivara custa R$ 15 por dia. Idosos não pagam.

O serviço de guia é contratado de forma privada, sem vinculação com o Parque. Geralmente os hotéis indicam algum dos mais de 50 profissionais que fazem este serviço, alguns com seus próprios veículos. Em média, a diária de um guia fica por R$ 400 se o carro utilizado for o dele. Para baratear o passeio, pode-se dividir com outras pessoas, num máximo de quatro por carro. O guia Waltércio Torres, com 24 anos de experiência, atende pelos telefones: 89 9405 4607 e 9813 5923.

A alimentação dentro do Parque pode ser feita no restaurante da cerâmica, onde também funcionam um albergue,uma fábrica de camisetas, a fábrica e a lojinha de cerâmicas. O almoço é self-service, tem uma qualidade bastante boa, e custa R$ 22 sem balança.

As opções de hospedagem vão desde pousadas no centro de São Raimundo Nonato até o Hotel Serra da Capivara, um pouco afastado do centro, mas bastante tranquilo. A diária custa R$ 154,90 para duas pessoas. De instalações simples, o hotel é confortável, dispõe de piscina, ar-condicionado e televisão. Serve um café da manhã farto e quando não tem funcionários para preparar as demais refeições, providencia o pedido a algum serviço de delivery mais próximo.

Outras fotos: